Tivemos no Brasil, ao contrário dos EUA, um textit{bottom up approach} para a gestão do território que está documentado nos debates constitucionais do império.
Nos EUA houve, em contraposição, um textit{top down approach deliberado}. O governo federal impôs aos estados fronteiras teóricas que funcionavam na escala do County e na escala da mancha urbana simultaneamente. Isso foi uma importante intervenção no domínio privado.
A característica desse sistema que mais nos interessa é o fato de que os Distritos Escolares foram definidos a priori e de uma maneira uniforme segundo uma grade retangular.
Isto significa que a distribuição de um equipamento público importante e sujeito a grandes retornos em escala foi em termos gerais, deterministicamente distribuído de maneira uniforme em todo os territórios que adotaram esse sistema de parcelamento.
De todas as teorias que procuram explicar a localização de atividade econômica, a que funciona em todas as escalas é a do Premio Nobel Douglass North, que enfatiza a presença de fatores fixos. Douglass North estava se referindo, no caso, à história da industrialização americana na escala dos fenômenos regionais.
Mas se considerarmos que fatores fixos sempre estão associados a economias de escala, podemos imaginar, na escala intraurbana, alguns deles que sejam capazes de gerar efeitos locacionais poderosos o suficiente para criar aglomerações urbanas. Se a escola é um desses fatores e ela por força de lei está distribuída uniformemente no território temos aí um fator estruturante da forma urbana que prevalecerá qualquer que seja o local em que uma aglomeração urbana surja.
Isto é, não somos capazes de dizer a priori onde um núcleo urbano surgirá, mas sabemos que qualquer que seja seu tamanho, o terreno reservado para as escolas já está definido, e mais, é distribuído uniformemente no espaço. É assim que podemos fazer a ligação entre as escalas regional e intraurbana. Em outras palavras, uma decisão institucional anterior à mudança de tecnologia de transporte, e, portanto, independente dela determinou a ocupação do território no nível regional e local simultaneamente.
No nosso caso, houve um debate de alto nível decisório sobre a racionalização do parcelamento do território nas diversas escalas seguido do abandono da ideia de estabelecer, nos moldes americanos, marcos geométricos em favor de, via de regra, marcos geográficos. Com isso perdemos a oportunidade de reservar terras baratas para escolas.
O debate chegou a considerar também um modelo francês baseado na formação de distritos autonomos na forma de hexágonos. Esse modelo partia, evidentemente, de uma situação histórica de ocupação do território bastante peculiar, mas que também foi deliberadamente rejeitado e que funcionou de maneira similar na França.
É claro que naquele momento, a elite brasileira nem poderia desconfiar que as consequências do estabelecimento de um sistema de educação universal seriam capazes de operar transescalarmente na morfologia do território. A população era eminentemente rural dentro de um sistema escravocrata e e as implicações dessa decisão num momento histórico posterior em que os custos de transporte ficam muito baratos e a terra urbana muito cara seriam imprevisíveis. Assim, passou longe a ideia de que uma intervenção geométrica no domínio da propriedade privada da terra pudesse ter características tão estruturantes no desenho urbano e ao mesmo tempo no desenvolvimento de um sistema de cidades.
Os americanos tiveram uma justificativa ideológica eminentemente republicana (a educação universal) para dar suporte a tamanha intervenção estatal no sistema de parcelamento do território. Essa intervenção teve consequências na escala intraurbana que talvez não tenham sido mais do que um efeito colateral de uma ideia universalista, mas que pouco tem a dizer sobre o espaço.
Isso tudo tem consequências nos conflitos territoriais. O textit{gerrymandering} (a maneira pacífica de resolver conflitos políticos através da redefinição de fronteiras), nos Estados Unidos, se dá na escala do distrito escolar, enquanto que o nosso se dá na escala do município. O município, por sua vez, da forma como está juridicamente definido no Brasil, pode estar em qualquer escala, desde o tamanho de um bairro dentro de uma região metropolitana, como Nilópolis até Altamira, que é maior do que a Alemanha [CONFERIR].
Isto significa que, na ausência de polos estruturadores uniformemente distribuídos, aqui no Brasil teremos outros fatores mais fortemente estruturantes, como a direção das linhas de transporte e a barganha, caso a caso, entre o proprietário da terra, o incorporador e o Poder Público, sem contar o agente financeiro, frequentemente intermediada pelas cortes de justiça e provocando incerteza e assimetria de informação quanto ao valor da terra.
Em resumo, no Brasil temos um sistema de gestão territorial que tem como princípio histórico a não intervenção estatal, cuja escala de interação com a camada política se dá no município e vale para todo o Brasil superposta por um processo de ocupação do território nacional que começa a mostrar seus contornos mais persistentemente desde os tempos da colônia devido à presença de fatores fixos derivados de recursos naturais, como mostra Caio Prado Junior (textit{First Nature}).
Por cima desta camada, temos intervenções pontuadas a partir de instâncias superiores do tipo textit{top–down} que podem ter consequências estruturantes em escalas variadas (por exemplo, a decisão de criar uma cidade-estado a partir do nada no centro do país — Brasília) até intervenções de caráter econômico que são estruturantes de uma maneira mais previsível na escala dos sistemas de cidades do que na escala intraurbana (o caso da zona franca de Manaus). O mesmo podemos dizer em relação a Áreas de Proteção Ambiental, que são situações em que o princípio do textit{laissez-faire territorial} sede para uma decisão politicamente e, em geral, hierárquica espacialmente que se sobrepõe territorialmente ao poder municipal.
Então meu argumento é: o sistema americano de demarcação de marcos geométricos textit{Second Nature} com distritos escolares reservados e espaçados uniformemente teve efeitos estruturantes tanto na escala regional quanto na escala da mancha urbana que criaram condições de gerar um sistema de cidades mais equilibrado e uma melhor distribuição de equipamentos públicos dentro da mancha urbana PORQUE este sistema é menos sujeito a processos políticos arbitrários que geram elementos estruturantes de forma mais desigual no espaço.
Nosso textit{laissez-faire} original pontuado de intervenções centralizadas tende a criar espaços mais desiguais.